O leitor já observou certamente as condições em que muitos de nós são obrigados a trabalhar? Não é verdade que nos sentimos frequentemente num estado de "stress"? Ora quase todos nós temos de trabalhar para podermos sobreviver. Não propriamente para "viver". Mas, para "sobreviver". E sublinho este ponto: "Para viver é preciso primeiramente sobreviver. Porém, em caso algum, a vida deve ser substituída pela sobrevivência". Por essa razão, o Mestre Agostinho da Silva dizia com frequência que "o homem não fora feito para trabalhar, mas para criar". Contudo, sobre este assunto teremos de falar demoradamente, porque o bom senso adverte-nos de que não devemos confundir as pessoas, incitando-as a uma ociosidade negativa e a uma não participação na vida social. Mas, uma reflexão é necessária: Se o trabalho é considerado por muitos como salutar, é também, e não raramente, causador de desequilíbrio físico e psíquico. Ora, como tudo aquilo que causa desequilíbrio não é benéfico para o indivíduo nem para a sociedade, é importante refletir sobre o verdadeiro significado do trabalho.
Comecemos pelo significado da palavra "trabalho": Esta palavra deriva do termo latino "tripaliu", que era um instrumento de tortura. Compreende-se assim por que razão a palavra "trabalho" conserva ainda uma certa conotação negativa, associada quase sempre à ideia de esforço, de sacrifício, de sofrimento... "Ganhar o pão com o suor do nosso rosto" é uma expressão que se consagrou e que traduz de certo modo a ideia a que fizemos referência. Outras vezes, o trabalho anda também associado à necessidade de fugirmos de nós próprios e dos nossos problemas. Trata-se, neste caso, de uma forma de evasão, de escape, de alienação... Neste sentido, nem sempre se poderá dizer, evidentemente, que haja dignidade no trabalho. É isso que esta história nos pretende mostrar: "Quando caminhava só, numa praia deserta, um homem encontrou uma garrafa que tinha sido transportada pelas ondas. À primeira vista, era uma garrafa vulgar. Mas, quando tirou a rolha, imediatamente se libertou um fumo azulado que, a pouco e pouco, se foi adensando e configurando num rosto enorme e terrível. Era o Génio da garrafa. E logo, com um vozeirão ululante e ameaçador, gritou: "Sou teu escravo. Faço tudo que quiseres; mas, com a condição de me dares trabalho, sempre mais trabalho; senão mato-te!" Porém, esta ameaça não intimidou o homem. Como era comerciante e tinha muito que fazer, ficou contentíssimo. Despediu imediatamente os seus empregados e encarregou o Génio de todos os serviços. Contudo, não contava com a sua rapidez de execução. O Génio realizava quase instantaneamente o trabalho que lhe era pedido e, sempre insatisfeito, gritava: "Mais trabalho, meu Senhor, senão mato-te!" As coisas começaram então a complicar-se. E, se a princípio não faltava trabalho, agora o homem já não sabia o que devia mandar o Génio executar. E, cada vez mais receoso de que este cumprisse a sua promessa e o matasse, foi, por esse motivo, pedir o conselho de um sábio, que lhe disse: "Não te preocupes. Quando o Génio te exigir mais trabalho, manda-o endireitar o rabo de um porco." Essa foi, de facto, a salvação! É que, ainda hoje, o Génio anda ocupado a tentar endireitar o "rabo do porco"! E ainda não conseguiu, nem conseguirá tão cedo. O leitor talvez vê nesta história alguma coisa que se possa relacionar consigo? Pense bem: O Génio é, muitas vezes, você próprio, em busca de algo para fazer, algo que sirva para "matar o tempo", mesmo que esse"algo que fazer" não represente mais do que um consumo inútil de energia. Já pensou nisso? Já viu quantas vezes chega a casa esgotado e triste. e que fez realmente de positivo? Talvez estivesse a contribuir para aumentar ainda mais a confusão e a perturbação do mundo em que vivemos. Infelizmente, é a isso que, às vezes, chamamos "trabalho". Nessas condições, o trabalho é uma espécie de dependêmcia, uma droga... E se não dermos satisfação às exigências desse "Génio trabalhador", adoecemos, morremos... É essa a razão por que muitos reformados adoecem e morrem mais cedo depois de deixarem de trabalhar. O "Génio trabalhador" continua a exigir-lhes mais trabalho. E eles já não têm mais trabalho para lhe dar. Então, têm de fazer qualquer coisa para "matar o tempo", quando o tempo deveria servir para se "viver" plenamente, criativamente. Mas, isso não é possível. Eles nunca aprenderam a fazer mais nada a não ser "trabalhar"! Por isso, o "rabo do porco" continua torto. O Génio trabalhador ainda o não conseguiu endireitar, nem o conseguirá tão depressa . Infelizmente, tudo parece andar cada vez mais torto.
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A vida é um desafio permanente ao equilíbrio. Frequentemente caímos, para, depois, nos levantarmos e prosseguirmos a nossa viagem. O maior perigo porém é quando não nos queremos levantar ou quando levamos demasiado tempo a fazê-lo, dificultando ou impedindo mesmo a nossa recuperação. Cultivemos o hábito de ver o lado positivo da vida. Assim, dizia um conhecido filósofo: "Se um problema tem solução, não vale a pena preocupar-nos com ele. Se não tem, também não vale a pena". Contudo, como argumentou outro filósofo, a dificuldade reside em se saber se o problema tem ou não solução. Aqui é que a preocupação pode ter alguma razão de ser... Procuremos, no entanto, erguer-nos sempre que caímos.
Recordo-me que na minha infância apreciava muito um brinquedo, conhecido pelo "Sempre-em-pé". Tinha uma peça de chumbo na base que lhe baixava o centro de gravidade. De modo que o bonequinho levantava-se imediatamente sempre que o derrubavam. Mais tarde, vim a saber que esse engraçado boneco tinha sido inventado pelos monges budistas. É o "Daruma". Por seu intermédio, os monges têm a intenção de mostrar que a maneira correta de reagirmos às adversidades consiste em nos levantarmos imediatamente. É que o problema não está tanto no facto de caírmos, mas sobretudo na incapacidade de nos rerguermos. O grande sábio Lao Tse, servindo-se do simbolismo da "roda do carro", disse que "trinta raios convergiam para o centro, mas que era o centro do carro que fazia avançar a roda". Pretendeu mostrar desse modo que tem de haver equilíbrio entre o centro e a periferia da roda, e que sem um "centro imóvel" a roda não pode mover o carro.
O centro da roda permite-nos compreender melhor a importância da "contemplação" e da "meditação". Assim, do mesmo modo que o "centro" é indispensável ao movimento da roda, também a vida meditativa e contemplativa, apesar de ser "não ativa" é o "centro" e o fundamento da "vida ativa". Há um episódio muito significativo no Evangelho que confirma o que se acabou de dizer: "Quando iam no caminho, Jesus entrou numa aldeia, e uma mulher, de nome Marta, recebeu-O em sua casa. Tinha ela uma irmã, de nome Maria, a qual se sentou aos pés de Jesus, escutando a Sua palavra. Marta, porém, andava atarefada com muitos serviços e, aproximando-se de Jesus, disse: "Senhor, não te preocupa que a minha irmã me deixe só a servir? Diz-lhe, pois, que me venha ajudar." Jesus respondeu-lhe: "Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas, apenas uma é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada". (Lucas, 38-41) As atitudes contemplativa e meditativa são representadas por Maria; mas, a atitude ativa é representada por Marta. Ora, Jesus disse que Maria "escolheu a melhor parte", porque ela ouviu as palavras do Mestre muma atitude meditativa e comtemplativa. Marta, pelo contrário, estava agitada e perturbada. E o que Jesus censurou em Marta não foi propriamente a ação, mas a perturbação, porque ela andava muito atarefada e a sua atividade não era orientada pelo centro meditativo. Ora o mesmo acontece com muitos de nós. Andamos agitados, perturbados, confusos, porque a nossa atividade não está geralmente fundamentada numa atitude meditativa e contemplativa. Só quando a ação provém do centro meditativo é que é realmente uma ação inspirada e criadora. Se isso não se verifica, há apenas confusão e desequilíbrio. O equilíbrio entre a Contemplação e a Ação tem de ser alcançado. Mas, enquanto não for alcançado, a Contemplação tem de preceder a Ação, porque a vida ativa deve ser uma consequência da vida contemplativa. A prioridade da Contemplação tem sido reconhecida, desde há muito, por notáveis pensadores: Aristóteles considerou-a a mais alta forma de "praxis" (atividade), mais alta ainda que a Política; S. Tomás de Aquino também afirmou que a vida contemplativa constituía a mais elevada expressão da atividade humana; e o Mestre Eckart declarou que a vida ativa só é salutar quando expressa as necessidades fundamentais do indivíduo. Oportunamente, em contextos diferentes, voltaremos a abordar este tema da Contemplação e da Ação Devido a qualquer mistério informático não foi publicada na minha reflexão anterior o último parágrafo. Vou portanto apresentar agora a sua conclusão.
Disse a determinada altura que "Alexandre Magno, não tendo paciência para desatar o nó, cortou-o com a espada, passando essa atitude a designar a decisão de resolver problemas difíceis: "cortar o nó". No fundo, há a consciência de que o nó encerra um segredo e de que os segredos devem ser desvendados. É por isso que os "nós" que encontramos na vida - que são muitas vezes devidos às relações que estabelecemos com os outros - devem ser "desatados", e não "cortados". Por outras palavras: devem ser completamente "compreendidos". De facto, "cortar relações com alguém" é criar um desequilíbrio kármico e continuar prisioneiro do "nó". O problema fica sempre por solucionar. Atente no que diz a seguinte quadra: "Os nós que há na tua vida tens de saber desatar; se os cortas fica escondida a dor por que vais passar." De certo modo em relação com a Lei do Karma (a que é costume atribuir-se um significado de "destino") encontra-se o simbolismo do "Nó". Porque o "Nó" encerra em certa medida um segredo que precisa de ser desvendado. Se o conseguirmos desatar é porque desvendámos o seu segredo. Mas, se o não conseguimos desatar, optamos muitas vezes por cortar o nó. E o segredo fica por desvendar. Vem a propósito: Não sei se já ouviram falar do "Nó Górdio"? Sabem quem era Górdio? Era o rei da Frígia (região do noroeste da Ásia menor). Diz a lenda que o rei Górdio tinha amarrado as rodas do seu carro de guerra de umsa forma dificílima de desatar. Um oráculo predissera que quem conseguisse desatar aquele nó, dominaria toda a Ásia. Alexandre Magno, não tendo paciência para o desatar, cortou-o com a sua espada.Essa atitude passou a significar a decisão para se resolver problemas difíceis: cortar o nó.
A Graça apoia-se na Justiça, mas também se apoia na perseverança. De facto, a expressão "dar de graça", que usamos frequentemente, signica geralmente, para nós, uma dádiva que não exige retribuição. Contudo, de acordo com a Ordem do Universo, o nosso conceito de "dar de graça" não é inteiramente correto . A Graça divina exige a presença de certos valores. Um deles é a perseverança. Há a este respeito uma história interessante, narrada nos Vedas:
"Uma pequena ave pôs os seus ovos numa praia; mas, o grande oceano arrebatou-os nas ondas. Muito trste, a avezita pediu ao grande oceano que lhe restituísse os ovos. Porém, como este não atendesse ao seu apelo, a ave pensou que poderia secar o grande oceano transportando a água, gota a gota, no seu pequenino bico. Todos que souberam disto, riram-se da sua pretensão. Mas, Garuda, o pássaro gigante que conduz o deus Vishnu, sentiu compaixão pela sua irmãzinha e quis ajudá-la. Exigiu por isso que o grande oceano restituísse os ovos, , pois, caso contrário, ele mesmo se encarregaria de o secar. Então, o grande oceano, amedrontado, obedeceu a Garuna e restitui os ovos à pequenina ave." Perseverança é, pois, uma das nossas "palavras de ordem". Há um provérbio tibetano que diz, mais ou menos por estas palavras: "Quando uma corda se parte pela nona vez, devemos reunir as pontas que restam para as atar pela décima vez". O equilíbrio cósmico tem de ser sempre restabelecido. Mas voltamos a perguntar: O homem tem, por isso, de colher sempre aquilo que semeou? Evidentemente que o princípio segundo o qual "o homem há de colher aquilo que semeou" está certo. Mas, não o devemos interpretar numa perspetiva demasiadamente literal, porque existe sempre a possibilidade do "perdão" e, portanto, da remissão do pecado. Isso pode alterar, em certa medida, o princípio enunciado. Além disso, um ato socialmente reprovável pode não o ser de um ponto de vista mais elevado. De modo idêntico, um ato aprovado socialmente pode não o ser segundo a Lei do Universo. Os factos não são portanto aquilo que aparentam ser. A realiddade obedece a uma Lógica diferente da nossa "logica". É por isso que devemos ter a humildade suficiente para reconhecermos a nossa ignorância perante a Verdade. Esta transcende sempre o nosso entendimento. De acordo com este ponto de vista - o da Lógica do Universo - o "homem nem sempre colhe o que semeou". Vamos esclarecer: A Lei do Karma (a que nos referimos na Reflexão antecedente) é completada por outra Lei universal, a Lei da Graça, que parece às vezes contradizer a Lei do Karma. Consideremos, por exemplo, o seguinte facto: Alguém rejeita um filho, não querendo assumir a maternidade ou a paternidade. Como irá atuar a Lei do Karma nessas circunstâncias? Ora, se "colhemos aquilo que semeamos", isso significa que essa pessoa, que recusou egoisticamente a maternidade ou a paternidade, vai passar pela mesma experiência. Mas, quando é que vai passar por essa experiência? Nesta vida já não será possível. Mas, de acordo com o conhecimento que se tem da reencarnação, essa experiência será vivida numa existência futura. Quer dizer, os seus futuros pais rejeitá-la-ão do mesmo modo. Pois, "Quem com ferro mate com ferro morre", diz também a sabedoria popular. Essa é, de facto, a perspetiva dos que defendem de uma forma fundamentalista este princípio. Esta é a Lei do Karma (ou Lei da Causa e Efeito) que exige que o equilíbrio tenha de ser restabelecido. De facto, se alguém egoísticamente rejeita um filho, cria um desequilíbrio moral que implica uma resposta equilibradora correspondente ao seu procedimento. E essa resposta (segundo o ponto de vista dos que defendem de modo fundamentalista a Lei di Karma) consiste no facto dessa pessoa ter de passar por uma experiência "obrigatoriamente" semelhante àquela que provocou na outra pessoa. Mas será sempre assim? Não poderá haver alternativa? Não poderá ser de outra forma? Não poderá haver outra maneira de restabelecer o equilíbrio? O problema centra-se no "equilíbrio". A Ordem do Universo exige somente que o Equilíbrio se estabeleça. Não pretende "vingar-se" ou "castigar", naquela sentido àquele que nós, humanos, atribuímos à vingança ou ao "castigo". A Lei universal exige apenas que o Equilíbrio se restabeleça. Essa é a única condição. Portanto, se houver outra forma de restabelecer o equilíbrio, essa forma não poderá ser aceite? Com certeza que pode ser aceite. Ora, em relação ao exemplo apresentado, cremos ser possível restabelecer o "equilíbrio" de outro modo: Assim, a pessoa que rejeitou o filho não terá "obrigatoriamente" de passar, numa vida futura, pela mesma experiência. Poderá até vir a desempenhar uma função prestigiosa e gratificante. Poderá ser, por exemplo, presidente de uma instituição destinada a apoiar crianças abandonadas... Porquê esta "aparente" injustiça? Esta "aparente" injustiça deve-se à intervenção da Lei da Graça, em situações em que o pecador se arrepende sinceramente dos atos que cometeu e deseja reparar os seus erros. Porém- é importante assinalar - se o arrependemento não for sincero, o equilíbrio será reposto de outra forma, sendo praticamente inevitável que o pecador venha a passar pela mesma situação que causou aos outros. Mas não devemos ver nisso, repetimos, qualquer punição. Para a Lei do Universo interessa somente a reposição do Equilíbrio. A Graça apoia-se, porém, na Justiça. Disse S. Teófano que "a Graça divina não atua sobre nós se não fizermos esforços para obtê-la". E disse ainda que "o êxito se alcança pela conjugação de esforços e da Graça. A Graça (em sânscrito "Daya") é comparável à água destinada à irrigação dos campos que se encontra já nos canais, mas que é parada pelas represas. Logo que o cultivador abre a represa, a água escoa-se devido ao seu peso. A Graça divina exerce sobre nós uma pressão constante. Diz o Evangelho: "Estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz, eu entrarei e cearei com ele e ele comigo" (Apoc.III, 20). Mas, para isso, nós temos de abrir a porta. A iniciativa de abrir a porta tem de ser nossa. , O equilíbrio é a chave da salvação. E, se o Universo é um equilíbrio dinâmico, o homem, sendo um Microcosmos, é também um "equilíbrio dinâmico". A lei que expressa este equilíbrio é aquilo que se designa por "karma" - palavra sânscrita, vulgarmente traduzida por "destino". Por isso, é costume dizer-se: um "bom karma" ou um "mau karma", querendo sinificar um "bom destino" ou um "mau destino". Contudo, esse significado não é inteiramente correto. Ainda que possa haver uma certa aproximação, o que a lei do Karma expressa na realidade é a ideia de "equilíbrio dinâmico do Universo", que abrange todos os seres.
A lei do Karma é também conhecida por lei da Causa e Efeito. Quer isto dizer que qualquer ação (boa ou má, correta ou incorreta) recebe a resposta correspondente. É essa resposta (o Efeito) que restabelece o equilíbrio. Poderá não ser uma resposta imediata ou, mesmo que seja imediata, não ter um efeito visível. Porém, inevitavelmente, o equilíbrio será restabelecido. Nisso consiste a Justiça do Universo, sendo interessante salientar que a "Balança", expressão do equilíbrio quando os dois pratos se encontram ao mesmo nível, tem representado sempre um símbolo da Justiça: No antigo Egito, Osiris servia-se de uma balança para pesar as almas dos mortos, a fim de avaliar se elas eram merecedoras de prémio ou de castigo. Tal representação da Justiça sugere, evidentemente, a ideia de Equilíbrio. É importante no entanto sublinhar que se o equilíbrio tem de ser restabelecido, nós desconhecemos quase sempre como se processa esse restabelecimento. Algumas expressões que se vulgarizaram, (mas que não deixam de revelar uma sabedoria enraizada na alma do povo), assinalam esta verdade. Todos conhecemos essas expressões: "O que o homem semear é aquilo que há de colher"; "Quem com ferro mata com ferro morre"; "Quem semeia ventos, colhe tempestades", etc... Contudo, esta questão não é assim tão simplista. Pois, o que se passa à nossa volta, parece nem sempre confirmar esta realidade. Vemos, com efeito, pessoas muito egoístas, e que nada fazem para auxiliar os outros, serem beneficiadas em todos os aspetos. O que levou até o nosso grande poeta, Luis de Camões, àquele seu desabafo sobre o "desconcerto do mundo", dizendo que os maus viviam num "mar de contentamentos", enquanto os bons eram vítimas da sociedade. Porém, por muito respeito que nos mereça a grandeza humana e poética de Camões, a sua "lógica" (que também é muitas vezes a nossa) não é a Lógica do Universo. Por isso, não nos compete a nós percebermos como o Equilíbrio é, ou será, restabelecido. Mas, por uma intuição supra racional, temos a certeza que, mais cedo ou mais tarde,será restabelecido. "O verdadeiro sábio confia no equilíbrio natural do Céu", como disse o mestre taoista Chuang Tzu na parábola que citámos numa reflexão anterior. Note-se, contudo que, se assim não fosse, (isto é, se o Equilíbrio não se restabelecesse em todos os aspetos da vida humana e universal), os Evangelhos estariam errados, todos os Mestres estariam errados. No entanto, basta um olhar atento para o estado caótico em que o mundo se encontra para se perceber (embora sem se compreender inteiramente), que a lei do equilíbrio é uma realidade. Observemos como a natureza, (desequilibrada em grande parte por culpa do homem) usa meios cada vez mais violentos para se reequilibrar. Sismos, tempestades, maremotos... Tudo isso é um processo, ainda que violento de restabelecer o equilíbrio. E há veja nisto um castigo divino. Mas, não devemos pensar assim. A ideia de castigo ou de vingança pertence ao homem. Não ao Universo. O Universo é um equilíbrio dinâmico. Portanto, todo o fator desequilibrante (seja de natureza física ou moral) exige, da parte do Universo, uma resposta equilibradora. Por exemplo: Se um pêndulo oscila num determinado sentido, isso significa que, para retomar o equilíbrio, precisa de oscilar em sentido contrário. E a oscilação será tanto maior quanto maior for o desvio no sentido oposto. Evidentemente que não há aqui qualquer ideia de castigar ou de punir. É somente uma lei da Física, nada mais. Mas, voltamos a perguntar: É verdade que o homem tem de colher sempre aquilo que semeou? Na próxima Reflexão, voltaremos a abordar este assunto, referindo-nos a outra Lei universal que, sem contrariar a Lei do Karma, antes a completa e esclarece. É a Lei da Graça. A Justiça tem por objetivo o restabelecimento do equilíbrio. Por isso, a "Balança" é um dos símbolos da Justiça. Assim, quando um dos pratos da balança se desequilibra, temos de colocar no outro um determinado peso, a fim de repor o equilíbrio.
Mas, se o equilíbrio dinâmico está sempre presente no Universo, as leis humanas, procurando, na medida do possível aproximar-se da Justiça equilibradora do Cosmos, é ainda muito imperfeita. O equilíbrio neste mundo está muito longe de ser obtido, visto que os magistrados, interpretando muitas vezes as leis, de acordo com o seu ponto de vista, cometem erros gravíssimos. Shakespeare, num conto intitulado "O mercador de Veneza" documentou deste modo a imperfeição da justiça humana: "Shylock, um grande usurário, emprestou três mil ducados ao mercador António, assinalando no contrato que se António não lhe pagasse na data combinada, ele, Shilock, ficaria autorizado a tirar uma libra de carne do corpo de António. Quando chegou o dia aprazado, António, cujos navios tinham naufragado com todos os seus bens, não pôde entregar o dinheiro a Shilock. Este levou o caso para tribunal, exigindo, sem piedade, que António lhe entregasse, como ficara determinado, uma libra da sua própria carne. O tribunal vê-se obrigado a mandar cumprir a sentença. Mas, um juíz, (que era, na verdade, uma mulher disfarçada), intervém. Pede uma balança e pede a António para descobrir o peito, a fim de Shilock tirar uma libra de carne. Contudo, adverte Shilock que não deve derramar uma única gota de sangue, visto que o contrato só menciona a carne. Impõe, por isso, essa condição a Shilock: Se ele, ao retirar a libra de carne, fizer correr uma só gota de sangue, a sua fortuna seria confiscada. Evidentemente, Shilock teve medo e quis retirar imediatamente a sua queixa. Mas, o juiz (a tal mulher disfarçada) insistiu e acrescentou: "Se reduzires ou aumentares o peso combinado, nem que seja no correspondente ao peso de um cabelo, morrerás e todos os teus bens serão confiscados". Por fim, tudo se resolveu, graças à sabedoria e à inteligência desta mulher, que compreendera a imperfeição da justiça humana." O Mestre Chuang Tzu disse que o verdadeiro sábio confia no equilíbrio natural do céu (Tao). Mas, não é desse modo que a maior parte das pessoas encara as diversas situações da vida. Disso nos dá testemunho a seguinte parábola: "Um tratador de macacos, referindo-se às rações de nozes que cada macaco devia receber, disse que cada um receberia três nozes pela manhã e quatro à noite. Mas, por causa dessa decisão, os macacos ficaram furiosos. Então, o tratador decidiu que eles passariam a receber quatro nozes pela manhã e três à noite. Com essa alteração, todos ficaram satisfeitos. A diferença residia apenas numa avaliação subjetiva da situação. Também nós consideramos certas situações injustas e, por isso, exigimos uma alteração das regras sociais. Ficamos satisfeitos se essa alteração se verificar porque,a partir daí, os factos nos parecem ser mais favoráveis. Mas, às vezes, é pura ilusão. Ignoramos ou esquecemos que o equilíbrio tem de ser, mais cedo ou mais tarde restabelecido. É uma lei universal. De modo que se essa alteração for, agora, a nosso favor, é provável que uma alteração posterior possa vir, dessa vez, em nosso desfavor. Mais uma história de nozes: "Um lavrador entrou num café de aldeia, onde estavam reunidas várias pessoas. Trazia com ele um saco de nozes. "Que trazes aí? - perguntou um dos presentes. "Trago nozes. E tenho a intenção de as distribuir por vocês" - respondeu o lavrador. Todos ficaram admirados. Então, o lavrador continuou: "É verdade. Quero realmente oferecer-vos estas nozes. Mas, primeiro, digam-me como desejam que as distribua: À maneira de Deus ou à maneira dos homens? Como preferem?" Os aldeões olharam uns para os outros, desconfiados. Pensaram um pouco e, considerando que os homens são muito avarentos e Deus muito generoso, disseram ao lavrador que preferiam que ele as distribuísse à maneira de Deus. Então, o lavrador mergulhou a mão no saco e apanhou algumas nozes que deu a um deles; em seguida, pegou numa única noz que deu a outro; passou a um terceiro a quem não deu nada; e, quando chegou a vez do quarto, deu-lhe o resto das nozes. As pessoas, surpreendidas, exclamaram: "Mas que justiça vem a ser essa? Tu tinhas dito que nos davas as nozes à maneira de Deus e, afinal, procedes desse modo?" "Mas foi isso que eu fiz - respondeu o lavrador. Deus dá pouco a uns; a outros não dá nada; e a alguns dá tudo." |
JOSÉ FLÓRIDOREFLEXÕES Histórico
Março 2017
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