Agostinho da Silva costumava dizer que o pecado contra o Espírito Santo - o único que Jesus considerava imperdoável - consistia em se perder o "dom da imprevisibilidade". Estamos, evidentemente, perante uma questão imensa, em relação à qual, qualquer explicação é sempre insuficiente. Mas, lembramos que, de facto, Jesus Cristo, por diversas vezes, advertiu os apóstolos da necessidade de serem espontâneos e de não se preocuparem com as perguntas que lhes faziam, porque o Espírito Santo desceria sobre eles e saberiam então como responder: "Gravai, pois, nos vossos corações o não premeditar como haveis de responder; porque eu vos darei uma boca e uma sabedoria à qual não poderão resistir nem contradizer todos os vossos inimigos" (Lucas, XXI, 14-15).
Se analisarmos a nossa vida, verificamos que, por imposição do meio onde estamos integrados, temos vindo a perder esse "dom" da espontaneidade e da imprevisibilidade "Toda a gente vê a véspera", dizia Gurdieff. Tudo já está etiquetado. E assim, a imagem que temos, tanto das coisas como das pessoas, vai ficando embotada, enquistada na nossa memória, sendo com esta permanente interferência do passado que são geralmente elaborados os colóquios, as conferências, as palestras, os discursos, as aulas... "Toda a gente vê a véspera". Contudo, parecerá certamente uma história de loucos, admitir que se possa viver numa sociedade onde fossem abolidas as regras do previsível ou da previdência. Não temos respostas. Mas achamos que merece a pena refletir neste assunto. Que é pois o dom da espontaneidade? Talvez seja a faculdade de receber diretamente a resposta do Universo aos imperativos de cada momento. Talvez seja também a capacidade de se dizer o que for preciso, no momento preciso e a quem for preciso. Talvez, como no exemplo que vamos apresentar a Espontaneidade e a Imprevisibilidade sejam um meio de se alcançar a Perfeição: "No templo de Obaku, em Kioto, estão gravadas na porta as seguintes palavras: "O Primeiro Princípio", cujas letras, desenhadas pelo Mestre Kosen há dois séculos, têm sido consideradas pelos apreciadores deste género de caligrafia uma verdadeira obra prima. Antes de as gravar, Kosen desenhou primeiramente as letras sobre um papel, auxiliado por um discípulo que, previamente, preparou vários litros de tinta. - Esse projeto não me parece bem, disse o discípulo, depois de o Mestre ter feito o primeiro esboço. - E este? - perguntou Kosen. - Este também não. Ainda está pior do que o primeiro. Então, o Mestre Kosen pintou pacientemente oitenta e quatro folhas, sem conseguir satisfazer o discípulo. Por fim, como o jovem se tivesse ausentado durante alguns instantes, disse para consigo mesmo: "Tenho agora uma oportunidade de escapar à sua crítica". Por isso, desenhou apressadamente, e de modo espontâneo, a frase "O Primeiro Princípio", sem se distrair com a presença do discípulo. Este, quando regressou, exclamou maravilhado: - É uma obra prima, Mestre!" E agora uma reflexão da nossa parte: Antes de se alcançar esse elevado grau de Espontaneidade não será necessário efetuar um tarbalho consciente e organizado. Um exemplo muito simples, de que quase todos nós temos experiência, é o da condução de um automóvel. Quanto esforço de aprendizagem foi necessário até que os nossos gestos e movimentos se tornassem espontâneos e, por assim dizer, naturais? Realmente, o que hoje se nos afigura fácil e capaz de fluir livremente sem interditos nem bloqueios,exigiu quase sempre um longo tempo de trabalho, de disciplina e de aprendizagem. "O Génio - disse Edison- é o resultado de um por cento de inspiração e de noventa e nove por cento de transpiração".. Talvez por isso se possa concluir que o dom do imprevisível não deve excluir o que é previsível.
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A ideia que os Mestres Zen nos pretendem comunicar é a de que a resposta ao problema fundamental da vida é tão evidente que não há necessidade de se procurar uma explicação. Esta evidência, porém, só é sentida como evidência, após uma longa "viagem", ainda que ilusória, até findar, em nós, o processo de busca. Afinal, talvez a resposta esteja tão próxima, tão próxima de nós, que se identifique mesmo com a própria pessoa que a procura. Contudo, raramente temos consciência desse facto. E continuamos a procurá-la:
"Toda a gente ficou surpreendida quando viu Nasruddin Hodja montado no seu burro, indo quase a galope pela aldeia. - Para onde vais? - perguntou alguém. E ele, sempre montado no seu burro, respondeu: - Vou à procura do meu burro." Segundo os Mestres Zen, o estado de Iluminação é tudo quanto há de mais simples. E esperar por ele é nunca o alcançar. Disso nos dá testemunho Bodhidharma, que no século VI trouxe o ensinamento Zen da Índia para o Japão: "Nenhum discurso pode revelar ou formular a natureza do espírito quando foi compreendida por ele. Esperar a Iluminação nada representa. E quem espera não se refere a ela." De acordo com o Zen, a Iluminação não é um objetivo que deva ser alcançado. É a vida vulgar, a vida mais simples, que se apresenta imensamente bela quando não queremos ser protagonistas dos nossos atos nem existe conflito dentro de nós. O Mestre Zen, Hakuin, ao atingir a Iluminação, exclamou: "Oh, admirável maravilha: Eu corto lenha! Eu tiro água do poço!" Talvez o que se acabou de dizer contribua para melhor compreender estas palavras de Buda: "É preciso uma longa viagem para se chegar ao viajante". Se somos religiosos, costumamos pedir a Deus ajuda para encontrarmos a saída dos nossos problemas ou para atingirmos qualquer objetivo na vida. Mas, infelizmente, o nosso pedido é geralmente interesseiro, egoísta. Pedimos, de acordo com a nossa "vontade" e não com a Vontade de Deus. E o que é mais grave: Raramente "pedimos" o que é melhor para nós; mas, o que na aparência, e segundo o nosso limitado entendimento, consideramos que é melhor.
Esta é, pois, uma questão de fundo, e que constitui, não só um ensinamento básico de Jesus Cristo ("Pai, cumpra-se a Tua Vontade e não a minha") mas também um dos ensinamentos principais de todos os Mestres. Assim, o Mestre Sufi, Sa'di de e Shiraz costumava contar esta história: "Um homem desejava ardentemente um filho. Por isso, rezou a Deus para que lhe fosse concedida essa graça. E Deus concedeu-lha. A sua esposa, algum tempo depois, deu-lhe esse filho que tanto desejara. Repleto de felicidade, agradeceu muito a Deus e organizou imediatamente uma festa. Mas, os anos passaram. O seu filho cresceu e, mais tarde, enveredou por um caminho errado. Tornou-se alcoólico, acabando por ser preso, acusado de ter assassinado um homem. No entanto, pouco depois, conseguiu fugir. Ora, como as leis que vigoravam nesse tempo, exigiam que, em caso de fuga de um filho, o pai tivesse de ser preso em seu lugar, o pobre homem teve de cumprir essa pena" Qual o ensinamento que se pode extrair desta história? É o de que aquilo que desejamos não é, quase sempre, o melhor para nós. Ignoramos as linhas mestras que conduzem a vida. Por isso, diz uma máxima Sufi: "Observai a borboleta atraída pela chama: O seu destino é visível para nós, mas ignorado por ela." O Labirinto é, na sua origem, o palácio do rei Minos, em Creta, onde se encontrava o Minotauro, monstro fabuloso que foi morto por Teseu. Este, porém, só conseguiu sair dali com o auxílio do fio orientador de Ariadne.
Tudo isso tem, no entanto, um significado muito profundo, Mas, por ora, o que nos interessa sobretudo evidenciar é o facto do Labirinto ser um símbolo da nossa própria vida. Pois, o difícil percurso, constituído por caminhos que confusamente se cruzam e se entrelaçam, representa o nosso processo de busca interior e a complexidade das experiências por que temos de passar antes de nos conhecermos a nós mesmos. Retrocedemos muitas vezes e mudamos de sentido e de direção. E há muitos sinais que não sabemos interpretar. E assim, o Labirinto revela-nos um percurso que não é direto. Mas, os erros que cometemos até achar a saída, apesar de serem praticamente inevitáveis, não constituem uma fatalidade irremediável. Ao fazermos referência ao Labirinto, ocorre-nos a história da "Bela Adormecida". Todos a conhecem certamente. Quando era criança, gostava muito de a ouvir contar. Nela há diversos intervenientes: Uma princesa que dorme; um príncipe que a procura incessantemente; e um terrível dragão, que o príncipe terá de vencer com a espada do Amor e da Verdade, se quiser ter acesso ao lugar onde dorme a princesa. Mas há um significado profundo nesta história: O príncipe representa o "buscador" que há em todos nós, sempre à procura da saída do "labirinto"; a princesa é a nossa alma adormecida, mergulhada no sono da ilusão, inconsciente da verdade mais íntima que há dentro de si; e o dragão representa as forças que se opõem ao despertar da alma. Isto é, os nossos defeitos, vícios e ilusões... Contudo, o príncipe, que há em nós, na maior parte das vezes, nem sequer se apercebe de que existe uma princesa adormecida à sua espera. Então, ele a procura, mesmo sem saber, por caminhos ínvios, capazes até de o conduzir ao vício e ao crime. Procura-a inconscientemente. Mas, desse modo, a princesa continua adormecida, sem esperança que a venham despertar... Chegará porém o dia em que o príncipe toma consciência da existência da princesa. Do seu encontro com ela, depende a saída do labirinto. Enfrenta então todos os perigos e resolutamente caminha em direção ao local onde a princesa dorme. Mas é preciso vencer o Mal que há dentro de si. Tem de vencer o terrível dragão com a espada do Amor e da Verdade. O combate é tremendo. Mas, o príncipe acaba por sair vitorioso. E, após a vitória, descobre este facto surpreendente: Vê que a princesa esteve sempre consigo. Nunca o abandonou. E o beijo que a desperta é, no fundo, a reconciliação consigo próprio e o despertar da sua alma. Enfim, a saída do labirinto. Talvez o leitor possa agora encontrar alguma relação entre aquilo que se acabou de dizer e este poema admirável de Fernando Pessoa: "Conta a lenda que dormia Uma princesa encantada A quem só despertaria Um Infante que viria De além do muro da estrada. Ele tinha que, tentado, Vencer o mal e o bem, Antes que, já libertado, Deixasse o caminho errado Por o que à Princesa vem. A Princesa Adormecida Se espera, dormindo espera. Sonha em morte a sua vida, E orna-lhe a fronte esquecida, Verde, uma grinalda de hera. Longe, o Infante, esforçado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminho fadado, Ele dela é ignorado, Ela para ele é ninguém. Mas cada um cumpre o Destino - Ela dormindo encantada, Ele buscando-a sem tino Pelo processo divino Que faz existir a estrada. E, se bem que seja obscuro Tudo pela estrada fora, E falso, ele vem seguro, E, vencendo estrada e muro, Chega onde em sono ela mora. E, ainda tonto do que houvera, À cabeça, em maresia, Ergue a mão e encontra hera, E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia. Fernando Pessoa Sim... Ele mesmo era a Princesa que dormia! A advertência de Jesus em relação à hipocrisia dos fariseus tem de estar sempre presente na nossa vida. Temos de ser"puros como as pombas, mas argutos como as serpentes!" Infelizmente, porém, o espírito farisaico continua a prevalecer em todos os aspetos da vida social, usando-se os mais diversos artifícios para se atingirem fins perversos, de que as pessoas bem intencionadas, embora inteligentes, nem sempre se conseguem aperceber. De facto, os "filhos das trevas são mais hábeis do que os filhos da luz", como diz o Evangelho cristão.
"Nasruddin devia dinheiro a toda a gente e não sabia como libertar-se dos credores. Então pediu o conselho de um advogado que lhe disse que a única maneira de se ver livre deles era a de simular a sua própria morte: - Simule que está morto e ninguém mais o vai aborrecer.... Nasruddin seguiu o conselho do advogado e organizou o seu próprio funeral. Depois, meteu-se dentro do caixão. Todos os credores, um de cada vez, vieram, com um ar muito triste, dizer-lhe o último adeus. Mas, quando chegou a vez do décimo credor, este sacou de um revolver e gritou: - Nasruddin, sei que estás morto. Mas, apesar disso, vou dar-te um tiro. Só assim fico satisfeito! Então, Nasruddin saltou imediatamente do caixão e disse: - Espera aí, espera aí... A ti, eu pago tudo!" . Numa Reflexão anterior, evidênciei a importância da mentira em relação a nós próprios. Mas o assunto está longe de estar encerrado, e temos de regressar a ele mais vezes, ainda que alguns Amigos me possam acusar de ser repetitivo. Contudo, devemos ter sempre em consideração de que certas verdades precisam de estar milhares de vezes no pensamento antes de passarem uma única vez à ação.
A mentira a nós próprios, com a intenção deliberada de ocultarmos aos nossos próprios olhos as faltas que cometemos, constitui, como já foi dito, um verdadeiro mecanismo de anestesia mental que, muitas vezes, degenera num grau muito perigoso: a hipocrisia. E sempre que falo de hipocrisia, sorrio, porque me recordo sempre duma história, passada no tempo em que os animais falavam: "Constou que se pretendia matar todos os animais que tivessem a boca grande. Então, a pega, que era uma grande tagarela, foi transmitir imediatamente esta notícia. Quando o hipopótamos a ouviu, encolheu com muito esforço a enorme bocarra e, fazendo beicinho, exclamou com um ar muito penalizado: "Coitadinho do crocodilo!" Cuidado, portanto, com a mentira a nós próprios. Há muitas "razões" para se esconder a "Razão". Disso nos dá testemunho a seguinte parábola: O Lama do Sul precisava de formar espiritualmente os seus jovens discípulos. Para tal, pediu ao Grande Lama do Norte que lhe enviasse um monge suficientemente qualificado para realizar esta missão. Então, o Grande Lama do Norte enviou-lhe cinco monges em vez de um. e as pessoas que tiveram conhecimento deste procedimento, ficaram surpreendidas, perguntando-lhe por que era necessário enviar cinco monges, se bastava apenas um. O Grande Lama respondeu: "Ficarei feliz se, desses cinco monges que enviei ao Lama do Sul, um, pelo menos, seja capaz de cumprir a missão que lhe foi pedida." Partiram então os cinco monges. E, passados alguns dias de viagem, apareceu um mensageiro que foi ao encontro deles, dizendo que tendo falecido um sacerdote da sua aldeia, seria necessário que outra pessoa ocupasse o seu lugar. Como a aldeia era aprazível e o vencimento que se ia auferir era bom, um dos monges comentou: "Não serei um bom budista se não ficar aqui para servir o povo". E saiu do grupo. Prosseguiram os outros quatro. Passados alguns dias, achavam-se noutro país; e, pouco depois, no próprio palácio do rei desse mesmo país. Este, tendo simpatizado com um dos monges, quis que ele casasse com uma das suas filhas e viesse a ocupar o trono após a sua morte. Enamorou-se o monge da princesa e disse para consigo mesmo: "Não serei um bom budista se deixar escapar esta oportunidade, pois não há melhor maneira de servir este povo do que tornar-me rei". E saiu do grupo. Os outros três continuaram a viagem e, pouco tempo depois, encontraram-se num lugar belo e arborizado, junto de uma modesta cabana. Ali vivia uma bonita jovem, cujos pais tinham sido assassinados. Quando os viu chegar, a moça deu-lhes abrigo e agradeceu a Deus por lhe ter enviado aqueles monges. No dia seguinte, um deles decidiu ficar ao lado da rapariga, dizendo para consigo próprio: "Não serei um bom budista senão sentir compaixão por esta moça". E saiu do grupo. Restavam dois monges. Continuaram a viagem e chegaram a uma aldeia onde os habitantes tinham abandonado a sua religião e perdido a fé, ficando às ordens de um perverso guru. Então, um dos monges pensou: "Não serei um bom budista se não ficar aqui, junto desta gente, para lhes restituir a sua antiga fé." Assim, somente o quinto monge chegou à presença do Lama do Sul. Tinha razão portanto o Grande Lama do Norte." r "Tal como o íman atrai o ferro, também os nossos pensamentos e os nossos atos atraem a resposta divina"
(Pitágoras) Pitágoras nasceu na ilha jónica de Samos, por volta de 570 a. C. , tendo fundado em Croton, na Itália meridional, uma escola célebre, de carácter filosófico, religioso e político, onde floresceram as Ciências matemáticas, a Música e a Astrologia, Mas a disciplina do silêncio, o ascetismo, assim como a meditação e a contemplação, também faziam parte integrante do seu método de ensino. Diz-se que esteve no Egito e na Babilónia, onde adquiriu muito do seu saber. No Egito, estudou profundamente as Matemáticas sagradas, a ciência dos números ou dos princípios universais, que lhe permitiram compreender a involução do espírito na matéria e a sua evolução para a Unidade. As doutrinas dos outros filósofos, como Tales e Anaxandro, pareceram a Pitágoras contraditórias, levando-o, por isso, a procurar a síntese e a unidade. Considerou a existência de uma Lei Ternária, que rege a constituição do Cosmos, e de uma Lei Septenária, que preside ao seu desenvolvimento (e que se pode expressar através das sete notas musicais). O objetivo da escola de Pitágoras não era propriamente ensinar a Ciência esotérica a um círculo de discípulos escolhidos, mas, principalmente, aplicá-la à educação da juventude e à vida do Estado. Nesta escola, só aqueles que eram designados Mestres podiam ensinar as Ciências físicas, psíquicas e religiosas, sendo os jovens admitidos às lições dos Mestres e aos diversos graus de Iniciação, de acordo com a sua inteligência e boa vontade. Mas a aceitação dos noviços era difícil, porque Pitágoras impunha muitas restrições à sua entrada, dizendo que nem toda a madeira servia para fabricar a estátua de um deus. Porém, uma vez admitido, o noviço era convidado pelos outros jovens a participar nas conversas, onde acabava sempre por revelar o seu caráter e a sua verdadeira natureza. Pitágoras observava-o então de modo indireto. Estudava os seus gestos e as suas palavras, dando especial importância à sua maneira de rir, porque considerava o riso a revelação mais profunda da alma. O discípulo tinha então de se submeter a duras provas para se decidir da sua continuidade na escola. Uma dessas provas consistia em passar uma noite absolumente só numa caverna, onde se dizia que surgiam aparições aterradoras. Aqueles que não tinham coragem para suportar essa prova eram considerados demasiamente fracos e tinham de desistir. Outras vezes, após um dia de meditação sobre o significado de um determinado símbolo, o noviço entrava no círculo dos outros discípulos que lhe faziam perguntas a que ele não sabia ou que dificilmente era capaz de responder. Pitágoras observava de perto as suas reações. Se ele se enfurecia, era imediatamente eliminado da escola; mas, se, pelo contrário, era capaz de manter a calma e respondia com humildade e sensatez, dispondo-se a repetir tantas vezes a mesma experiência quantas fosse necessário para adquirir o conhecimento que lhe faltava, era felicitado pelos seus companheiros e poderia prosseguir na aprendizagem. Os VERSOS DE OIRO continham os princípios básicos do ensinamento pitagórico. De manhã até à noite, soavam aos ouvidos dos discípulos: VERSOS DE OIRO DE PITÁGORAS (Versão de Felix Bermudes (?)) Preparação Presta a Deus imortal o culto consagrado; Conserva o tua fé; dos vultos do passado, Ou santos ou heróis, louva a divina ação. Purificação Sê bom filho e bom pai; sê justo como irmão, Amável como esposo; escolhe como amigo Aquele que tiver luz para repartir contigo E dê conselhos bons que o porte não desminta. Se o fogo das paixões for cinza nele extinta, Imita o seu exemplo, escuta o seu conselho, Sê tu, para o refletir. um voluntário espelho; Jamais te afastes dele por fútil discrepância; Enjaula dentro em ti a fera da arrogância. Sê sóbrio, ativo e casto; evita a irritação; À raiva fecha a alma, ao ódio o coração. Em público ou privado, o mal jamais pratiques; E a quem te der lições, escuta e não critiques. Respeita-te a ti próprio; o sábio verdadeiro Nada diz, nada faz, sem refletir primeiro. Sê justo. As más ações são catacumbas frias Para sepultar, na morte, os bens e as honrarias; Toda a riqueza é vã se foi contra um dever; O fácil de ganhar é fácil de perder. O cálix da amargura imposto pela sorte Aceita-o, resignado. Ele te fará mais forte. Em mil fiéis ao erro, um só busca a verdade; Mas Deus protege o sábio e livra-o da maldade. O filósofo aprova ou condena sem tédio E onde encontra o erro incapaz de remédio, Afasta-se e espera. "Afasta-se e espera!" Grava bem esta lei. Medita-a, considera Quanta inútil pendência ele pode evitar-te. Com todos sê cortês; sê nobre em toda a parte. Não dês exemplos maus; nem os sigas tão-pouco; Agir sem fim nem causa é proceder de louco. Olhos e ouvidos cerra a todo o preconceito, A todo o fanatismo ou julgamento feito Preconcebidamente e só por teimosia; Seja tua e só tua a razão que te guia. Não pretendas fazer o que a tua ignorância Não permitir. O tempo, a atenção e a constância Hão de trazer-te um dia o poder que te falta. Aprende a servir, eis a ambição mais alta Que deve nortear a tua vida inteira. Cuida bem do teu corpo, o trabalho aligeira Quando ele se queixar, mas não lhe satisfaças Apetites boçais. As dores e as desgraças Começam quando o corpo ordena mais que a alma; Se o serves uma vez, já nunca mais se acalma. Do luxo e da avareza os modos são iguais. Diferentes na aparência, irmãos em tudo o mais. Procura encontrar sempre o justo meio termo, Pois nuncao corpo é são, estando o mental enfermo. Formula ao despertar o teu programa honesto E nunca para amanhã deixes ficar um resto. Perfeição Antes de adormeceres, repassa no mental As ações que fizeste, ou para bem ou para mal. Não repitas as más, insiste só nas boas. Estende a compaixão aos brutos e às pessoas. E a cada novo esforço, a cada prova rude, Acenderás em ti a luz de uma virtude. Assim sublimarás a Tétrada sagrada, A tua quaternária e cósmica morada, Alma, espírito e corpo - um embrião de Deus. Procura com fervor abrir os olhos teus À luz que vem do Olimpo. O teu amor é vão Se o Céu não te cobrir da sua proteção. Só Ele pode acabar as obras que começas E dar-te, para o bem, o auxílio que lhe peças. Estuda a natureza, aprende a lei sublime Que rege a imensidade e que à matéria imprime A vida universal. Perante estudos sérios Abrem-se a pouco e pouco a porta dos Mistérios. Então descobrirás a luz do teu destino Que, por sublime Amor do nosso Pai divino, Te chama a colaborar no Plano do Universo Com Deuses, de quem tu és "Uno - mas Diverso". Então, desprezarás todo o desejo fútil. Verás que o sofrimento é criação inútil Dos erros e do vício e da maldade crua. O homem vive e morre a procurar um bem Sem nunca reparar no bem que em si contém. Quem não souber ser bom não sabe ser feliz; É náufrago num mar de praias sempre hostis, E entre o fraguedo atroz que a riba lhe apresenta, Não pode resistir nem ceder à tormenta Porque não descobriu que transporta consigo Um farol para o guiar a salvamento e abrigo. Por entre os vendavais dessa jornada ignota, Tem cada qual de abrir a sua própria rota. Uma estirpe divina impõe à humanidade Buscar no mar do erro o porto da verdade. A Natureza ajuda o homem no caminho, Nunca o desamparou, nunca o deixou sozinho. Homem sábio, homem bom, tu que já penetraste Os mistérios da vida e meditaste o contraste Entre o Bem e o Mal, concentra-te um momento E medita que Deus, ao dar-te o pensamento E muitos outros dons que refletem os Seus, Fez-te um Ser Imortal, porque és tu próprio um deus! Temos de saber organizar o pensamento, a fim de que este se transforme numa força positiva e criadora; porque aquilo em que acreditamos pode de facto tornar-se realidade. E, nesse aspeto, a imaginação desempenha também um papel muito importante.
De início, tem de haver da nossa parte um esforço consciente, com o objetivo de criarmos imagens mentais, no sentido daquilo que desejaremos ver concretizado. Primeiramente, repousemos a mente, deixando-a permear pelo poder do Universo. Criemos, em seguida, uma imagem mental nítida e positiva, que pode ser, por exemplo, a imagem de um espaço amplo, à nossa frente, por onde avançamos com tranquilidade, segurança e determinação, em direção a uma luz imensa. Podemos também imaginar a presença de obstáculos que vamos removendo, à medida que prosseguirmos a nossa marcha. Mas, infelizmente, devido às nossas fraquezas e limitações, estamos criando continuamente imagens de medo, de insegurança e de derrotismo. Precisamos, por isso, - nunca é demais dizê-lo - de manter uma atitude de permanente "vigilância". Mas, organizar o pensamento exige também que não descuremos a linguagem. O pensamente necessita do seu apoio. Porque a palavra pode promover ou degradar o ser humano; pelo que os erros e as imprecisões da linguagem, sedimentando-se no nosso ser, tenham consequências nefastas na organização e no funcionamento da nossa vida psíquica. É por esse motivo que o estudo da língua materna desempenhou sempre uma função importantíssima, verificando-se até que a decadência da vida social, em todos os seus aspetos, está intimamente relacionada com a degenerescência da linguagem. Do exercício correto da linguagem, depende o exercício correto do pensamento. E como é o pensar que precede o agir, conclui-se que não pode haver ação correta sem que haja primeiramente pensamento correto. Contudo, somos bombardeados, a todo o instante, por uma linguagem decolorida, confusa, agressiva e, muitas vezes até, animalesca, por estar mais próxima dos uivos e dos grunhidos do que dos sons articulados das palavras que nos promoveram à condição de seres racionais. E, para ilustrar esta ideia, aqui deixamos esta história engraçada: "Um sargento explicava aos recrutas como deviam carregar a espingarda: "Puxa-se a culatra e mete-se o cartucho". E todos os instruendos eram obrigados a repetir essa frase; "Puxa-se a culatra e mete-se o cartucho". Porém, um dos soldados, por ser talvez mais lerdo de ideias, não era capaz de dizer "cartucho". Dizia sempre "catrucho". O sargento estava impaciente e ,sem desistir, obrigava-o, incessantemente, a dizer corretamente "cartucho". Mas em vão. O homem não conseguia. E repetia sempre: "Catrucho"... catrucho...catrucho... Era uma cena ridícula, que se foi prolongando ate despertar a atenção de um capitão que por ali passava... - Que se passa aí, nosso sargento? - perguntou o capitão. - Ah, meu capitão... este homem dá comigo em doido. Por mais que eu o ensine, não é capaz de dizer "cartucho". Diz sempre "catrucho". Já não sei que fazer... - Ora, não se preocupe, sargento. Fique aí o tempo que for preciso. Vai ver que ele acabará por aprender. Mas a cena repetiu-se. Não só uma vez; mas muitas vezes. O sargento já estava esgotado e enfurecido... E o recruta repetia sempre: "Catrucho"... "catrucho"...catrucho"... Algum tempo depois, passou novamente o capitão e perguntou: - Então, nosso sargento? O homem já aprendeu? Já é capaz de se expressar corretamente? - Já, sim, meu capitão. Já é capaz de dizer "catrucho"! De facto, se não tivermos cuidado, se não estivermos atentos à influência que as palavras exercem na nossa vida, acabaremos todos, sem exceção, por dizer "catrucho". Parece que ninguém se vai salvar. Nem os alunos, nem os professores, nem os jornalistas, nem os governantes... |
JOSÉ FLÓRIDOREFLEXÕES Histórico
Março 2017
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