. Numa Reflexão anterior, evidênciei a importância da mentira em relação a nós próprios. Mas o assunto está longe de estar encerrado, e temos de regressar a ele mais vezes, ainda que alguns Amigos me possam acusar de ser repetitivo. Contudo, devemos ter sempre em consideração de que certas verdades precisam de estar milhares de vezes no pensamento antes de passarem uma única vez à ação.
A mentira a nós próprios, com a intenção deliberada de ocultarmos aos nossos próprios olhos as faltas que cometemos, constitui, como já foi dito, um verdadeiro mecanismo de anestesia mental que, muitas vezes, degenera num grau muito perigoso: a hipocrisia. E sempre que falo de hipocrisia, sorrio, porque me recordo sempre duma história, passada no tempo em que os animais falavam: "Constou que se pretendia matar todos os animais que tivessem a boca grande. Então, a pega, que era uma grande tagarela, foi transmitir imediatamente esta notícia. Quando o hipopótamos a ouviu, encolheu com muito esforço a enorme bocarra e, fazendo beicinho, exclamou com um ar muito penalizado: "Coitadinho do crocodilo!" Cuidado, portanto, com a mentira a nós próprios. Há muitas "razões" para se esconder a "Razão". Disso nos dá testemunho a seguinte parábola: O Lama do Sul precisava de formar espiritualmente os seus jovens discípulos. Para tal, pediu ao Grande Lama do Norte que lhe enviasse um monge suficientemente qualificado para realizar esta missão. Então, o Grande Lama do Norte enviou-lhe cinco monges em vez de um. e as pessoas que tiveram conhecimento deste procedimento, ficaram surpreendidas, perguntando-lhe por que era necessário enviar cinco monges, se bastava apenas um. O Grande Lama respondeu: "Ficarei feliz se, desses cinco monges que enviei ao Lama do Sul, um, pelo menos, seja capaz de cumprir a missão que lhe foi pedida." Partiram então os cinco monges. E, passados alguns dias de viagem, apareceu um mensageiro que foi ao encontro deles, dizendo que tendo falecido um sacerdote da sua aldeia, seria necessário que outra pessoa ocupasse o seu lugar. Como a aldeia era aprazível e o vencimento que se ia auferir era bom, um dos monges comentou: "Não serei um bom budista se não ficar aqui para servir o povo". E saiu do grupo. Prosseguiram os outros quatro. Passados alguns dias, achavam-se noutro país; e, pouco depois, no próprio palácio do rei desse mesmo país. Este, tendo simpatizado com um dos monges, quis que ele casasse com uma das suas filhas e viesse a ocupar o trono após a sua morte. Enamorou-se o monge da princesa e disse para consigo mesmo: "Não serei um bom budista se deixar escapar esta oportunidade, pois não há melhor maneira de servir este povo do que tornar-me rei". E saiu do grupo. Os outros três continuaram a viagem e, pouco tempo depois, encontraram-se num lugar belo e arborizado, junto de uma modesta cabana. Ali vivia uma bonita jovem, cujos pais tinham sido assassinados. Quando os viu chegar, a moça deu-lhes abrigo e agradeceu a Deus por lhe ter enviado aqueles monges. No dia seguinte, um deles decidiu ficar ao lado da rapariga, dizendo para consigo próprio: "Não serei um bom budista senão sentir compaixão por esta moça". E saiu do grupo. Restavam dois monges. Continuaram a viagem e chegaram a uma aldeia onde os habitantes tinham abandonado a sua religião e perdido a fé, ficando às ordens de um perverso guru. Então, um dos monges pensou: "Não serei um bom budista se não ficar aqui, junto desta gente, para lhes restituir a sua antiga fé." Assim, somente o quinto monge chegou à presença do Lama do Sul. Tinha razão portanto o Grande Lama do Norte."
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JOSÉ FLÓRIDOREFLEXÕES Histórico
Março 2017
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