Agostinho da Silva costumava dizer que o pecado contra o Espírito Santo - o único que Jesus considerava imperdoável - consistia em se perder o "dom da imprevisibilidade". Estamos, evidentemente, perante uma questão imensa, em relação à qual, qualquer explicação é sempre insuficiente. Mas, lembramos que, de facto, Jesus Cristo, por diversas vezes, advertiu os apóstolos da necessidade de serem espontâneos e de não se preocuparem com as perguntas que lhes faziam, porque o Espírito Santo desceria sobre eles e saberiam então como responder: "Gravai, pois, nos vossos corações o não premeditar como haveis de responder; porque eu vos darei uma boca e uma sabedoria à qual não poderão resistir nem contradizer todos os vossos inimigos" (Lucas, XXI, 14-15).
Se analisarmos a nossa vida, verificamos que, por imposição do meio onde estamos integrados, temos vindo a perder esse "dom" da espontaneidade e da imprevisibilidade "Toda a gente vê a véspera", dizia Gurdieff. Tudo já está etiquetado. E assim, a imagem que temos, tanto das coisas como das pessoas, vai ficando embotada, enquistada na nossa memória, sendo com esta permanente interferência do passado que são geralmente elaborados os colóquios, as conferências, as palestras, os discursos, as aulas... "Toda a gente vê a véspera". Contudo, parecerá certamente uma história de loucos, admitir que se possa viver numa sociedade onde fossem abolidas as regras do previsível ou da previdência. Não temos respostas. Mas achamos que merece a pena refletir neste assunto. Que é pois o dom da espontaneidade? Talvez seja a faculdade de receber diretamente a resposta do Universo aos imperativos de cada momento. Talvez seja também a capacidade de se dizer o que for preciso, no momento preciso e a quem for preciso. Talvez, como no exemplo que vamos apresentar a Espontaneidade e a Imprevisibilidade sejam um meio de se alcançar a Perfeição: "No templo de Obaku, em Kioto, estão gravadas na porta as seguintes palavras: "O Primeiro Princípio", cujas letras, desenhadas pelo Mestre Kosen há dois séculos, têm sido consideradas pelos apreciadores deste género de caligrafia uma verdadeira obra prima. Antes de as gravar, Kosen desenhou primeiramente as letras sobre um papel, auxiliado por um discípulo que, previamente, preparou vários litros de tinta. - Esse projeto não me parece bem, disse o discípulo, depois de o Mestre ter feito o primeiro esboço. - E este? - perguntou Kosen. - Este também não. Ainda está pior do que o primeiro. Então, o Mestre Kosen pintou pacientemente oitenta e quatro folhas, sem conseguir satisfazer o discípulo. Por fim, como o jovem se tivesse ausentado durante alguns instantes, disse para consigo mesmo: "Tenho agora uma oportunidade de escapar à sua crítica". Por isso, desenhou apressadamente, e de modo espontâneo, a frase "O Primeiro Princípio", sem se distrair com a presença do discípulo. Este, quando regressou, exclamou maravilhado: - É uma obra prima, Mestre!" E agora uma reflexão da nossa parte: Antes de se alcançar esse elevado grau de Espontaneidade não será necessário efetuar um tarbalho consciente e organizado. Um exemplo muito simples, de que quase todos nós temos experiência, é o da condução de um automóvel. Quanto esforço de aprendizagem foi necessário até que os nossos gestos e movimentos se tornassem espontâneos e, por assim dizer, naturais? Realmente, o que hoje se nos afigura fácil e capaz de fluir livremente sem interditos nem bloqueios,exigiu quase sempre um longo tempo de trabalho, de disciplina e de aprendizagem. "O Génio - disse Edison- é o resultado de um por cento de inspiração e de noventa e nove por cento de transpiração".. Talvez por isso se possa concluir que o dom do imprevisível não deve excluir o que é previsível.
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JOSÉ FLÓRIDOREFLEXÕES Histórico
Março 2017
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